Caso

Tristânia v. Azulão

Caso do Robô Assassino


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  1. Burlow é uma região rica em petróleo situada no território do Reino Azulão. A maioria dos habitantes de Burlow pertence à etnia Burl. Embora esta etnia seja minoritária no Reino Azulão, ela constitui o grupo étnico maioritário na República da Tristânia.
  2. O Reino Azulão e a República da Tristânia, estados fronteiriços, vivem num estado de tensão permanente há vários anos por causa da região de Burlow, sendo frequentes as escaramuças fronteiriças entre as forças armadas dos dois Estados. O Reino Azulão acusa a República da Tristânia de controlar indiretamente e apoiar – incluindo dando instruções estratégicas gerais, financiando, fornecendo armamento e providenciando aconselhamento militar – o grupo separatista Frente de Libertação de Burlow (FLB) que opera naquela região. O FLB acusa o Governo Azulão de delapidar os vastos recursos naturais de Burlow sem que de tal beneficie a população Burl que sofre de um elevado nível de pobreza. O FLB pretende a secessão do Burlow face ao Azulão e a integração do território na República da Tristânia, concretizado assim o que entende ser o desígnio histórico da união de toda a etnia Burl num só Estado.
  3. As hostilidades entre as Forças Armadas do Azulão e o FLB (que conta com um número considerável e organizado de operacionais bem armados) provocou 40 mortos em 2018 e 76 mortos em 2019.
  4. A República da Tristânia rejeita a acusação de que controla e patrocina financeiramente e militarmente o FLB. A sua posição oficial tem sido a de que apoia as pretensões à autodeterminação do povo Burl mas de que não mantém qualquer relação com o FLB.
  5. Contudo, um consórcio de jornalistas obteve e publicou um vasto conjunto de documentos que confirmam o controlo indireto e apoio da República da Tristânia ao FLB, revelando que tal é discretamente operacionalizado através do Ministério da Defesa da Tristânia. Aliás, segundo aqueles documentos, o poderoso Ministro da Defesa seria o grande impulsionador no seio do seu Governo do apoio da Tristânia ao movimento independentista Burl e, em particular, ao FLB.
  6. O Ministro da Defesa da Tristânia, paranoico com a sua segurança pessoal, fazia-se rodear de um grande aparato de segurança e mudava constantemente de local onde pernoitava para prevenir ataques contra a sua pessoa.
  7. Face a estas informações vindas a público, o Primeiro-Ministro do Reino Azulão deu ordem para que o Ministro da Defesa da Tristânia fosse eliminado. Contudo, a operação deveria ser conduzida de forma discreta e sem intervenção direta das forças armadas do Azulão.
  8. O Chefe do Estado-Maior do Exército do Azulão sugeriu então que fosse utilizada uma nova tecnologia recentemente adquirida – o autómato PK51. O PK51 é um sistema de armas letal autónomo (LAWS) antipessoal dotado de tecnologia que lhe permite identificar um alvo pré-estabelecido, selecioná-lo e destruí-lo sem qualquer intervenção humana. Trata-se de um pequeno robô de 30kg com um sistema de rodas e dotado de uma autonomia de 10 dias. Está equipado com uma espingarda de precisão de 7,62mm e sistema avançado de aquisição de alvo que lhe permite uma elevada precisão de tiro até 750m. O PK51 é dotado de um algoritmo que lhe permite distinguir com rigor o alvo pré-definido de uma qualquer outra pessoa. O PK51 é ainda provido de um sistema de autodestruição que pode ser ativado em função do tipo de operação.
  9. O fabricante do autómato – a PK Weapon Systems XXI – assegura, aliás, que uma das vantagens desta tecnologia é a de que permite identificar o alvo com maior rigor do que um ser humano, garantindo ainda uma ação desprovida de emoção e subjetividade, o que diminui o risco de erro ou hesitação na identificação e destruição do alvo. Ademais, permite eliminar o alvo quase instantaneamente assim que ele é identificado pelos sensores do autómato.
  10. A 2 de janeiro de 2020, durante a noite, um avião da Força Aérea do Azulão entrou em território da Tristânia e largou por paraquedas um autómato PK51 numa zona rural onde era sabido que o Ministro da Defesa da Tristânia tinha uma casa de campo onde pernoitava frequentemente. Nessa mesma noite, o PK51 com ajuda de um sistema avançado de navegação por satélite, posicionou-se a 650m da casa de campo do Ministro dissimulando-se na vegetação circundante.
  11. A 5 de janeiro, o PK51 detetou o Ministro enquanto passeava no jardim acompanhado por alguns membros da família, incluindo menores, e por guarda-costas. Imediatamente, e de forma completamente autónoma, o PK51 selecionou o alvo e disparou um tiro que atingiu mortalmente o Ministro da Defesa. Contudo, e ao contrário daquilo para o qual estava programado, o PK51 não se autodestruiu. O PK51 foi mais tarde encontrado e analisado por uma equipa de investigação internacional mandatada pelas Nações Unidas para investigar o ataque. Os investigadores estabeleceram imediatamente a conexão entre o PK51 e o Reino Azulão.
  12. Perante as conclusões da equipa de investigação internacional, entretanto tornadas públicas, o Reino Azulão decidiu reconhecer o ataque, qualificando-o como um ato de legítima defesa ao abrigo do artigo 51.º da Carta das Nações Unidas.
  13. A República da Tristânia submeteu o caso ao Tribunal Internacional de Justiça, solicitando ao Tribunal que declare a ilegalidade do ataque que vitimou o seu Ministro da Defesa e que determine que o Reino Azulão se deve abster de futuros ataques semelhantes.Em particular, a República da Tristânia alega que o ataque (i) violou a obrigação do Reino Azulão em se abster de recorrer ao uso da força nas suas relações com a República da Tristânia, nos termos do artigo 2.º, n.º 4 da Carta das Nações Unidas; e (ii) violou as obrigações de Direito Internacional Humanitário que vinculam o Reino Azulão, em particular por ter utilizado no ataque uma arma proibida – o PK51.

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    Ambos os Estados são Partes nas seguintes convenções internacionais: 

    1. Carta das Nações Unidas;
    2. Convenção sobre a Proibição ou Limitação do Uso de Certas Armas Convencionais que Podem ser Consideradas como Produzindo Efeitos Traumáticos Excessivos ou Ferindo Indiscriminadamente;
    • (Quatro) Convenções de Genebra (1949) e respetivos (três) Protocolos Adicionais (1977 e 2005).

     

    Ambos os Estados aceitam sem reservas a jurisdição compulsória do Tribunal Internacional de Justiça.